quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Imprensa: «Fun Home»


«Há vida na natureza morta.

É um livro de memórias, é uma autobiografia, é uma biografia do pai da autora, é a história da complexa relação entre dois. É tudo isso.


Normalmente associa-se a BD, particularmente a norte-americana, a fantasias masculinas de violência, em que impera a figura de vigilante (pense-se em Super-Homem, Batman ou outros super-heróis) ou então uma coligação de seres mais ou menos humanos prontos a salvar a Humanidade (por exemplo, os mutantes de X-Men); aos músculos tensos dos homens e aos contornos voluptuosos das mulheres a rebentar com os quadradrinhos (cada vez menos convencionais) que se enchem de onomatopeias e frases cortantes; a vilões com planos mirabolantes, mais ou menos sanguinários; a uma acção frenética, cavalgante, explosiva. Mesmo os que procuram o negrume - como Frank Miller e Alan Moore, autores de novelas gráficas conceituadíssimas - trabalham a partir desta fórmula. Claro que esta será apenas a face mais visível da nona arte, que não se reduz a ela — as tiras de Calvin & Hobbes ou os Peanuts bastariam para demonstrá-lo. Ainda assim, para leitores menos conhecedores das vertentes mais alternativas da BD, Fun Home

- Uma Tragicomédia Familiar não deixará de causar estranheza. É um livro de memórias (chamaram-lhe graphic memoirs em contraponto a graphic novel)? Ou antes uma auto-biografia de Alison Bechdel? Ou ainda uma biografia de Bruce Bechdel, pai da autora? Ou outrossim a história da complexa relação entre dois? Esta banda desenhada consegue ser tudo ao mesmo tempo.
Dá ideia que a matéria de Fun Home (o título é referente à casa funerária de que a família Bechdel vivia mas também à “casa de bonecas”, reconstruída por Bruce, em que vivia, qual delas a menos divertida) pedia uma “arte maior”, a seriedade da literatura. No entanto, raros são os romances em que se encontram esta preciosa construção de “personagens” (é a própria autora que escreve que para si os seus pais “só são reais em termos ficcionais”), esta análise obsessiva-compulsiva (padecimento de que parecem sofrer as duas personagens principais do livro) ao mínimo detalhe, esta compreensão do labirinto que é a alma humana. De qualquer maneira é na banda-desenhada que Alison Bechdel encontra a melhor forma para contar esta(s) história(s): embora a palavra e a literatura tenham um peso enorme — a discussão literária é a única maneira que pai e filha encontram para comunicarem; os pensamentos da autora tecem-se sobretudo através de analogias e comparações às obras e vidas de grandes autores como F. Scott Fitzgerald, James Joyce, Marcel Proust, e Oscar Wilde —, as sensações de perda, de estagnação de tempo (as vinhetas servem para conservar o passado - Bechdel desenhou-as a partir de fotografias em que interpreta as “personagens” de situações da sua juventude), a artificialidade da natureza morta que é aquela vida são transmitidas pela imagem (e é pena que, na versão portuguesa, se percam aqueles tons verdes que tingiam os quadrados originais e lhes davam a aura de nefasta nostalgia que combina tão bem com o que é retratado; aliás, um dos poucos reparos que se podem apontar a esta edição).
Em sete capítulos, Alison Bechdel aproxima-se progressivamente do mistério que é o seu pai. No entanto, a cada novo dado, quanto mais perto do objecto, a imagem vai ficando mais desfocada: primeiro, Bruce aparenta ser apenas um pai severo e irascível, que ama mais os objectos do que os filhos e é muito pouco afectuoso; depois vai-se revelando uma espécie muito particular de self-made man - um intelectual auto-didacta, um homem de gostos requintados, um esteta (um Gatsby dos pobres) -, um homossexual reprimido com predilecção por mancebos, alguém que falhou por completo a sua existência, que preferiu ficar numa cidade pequena (ou melhor, num círculo que se desenha nos pontos onde nasceu, cresceu, viveu e morreu) onde teve de esconder quem era a viver numa grande capital onde poderia ter agido de acordo com os seus desejos, que, por fim, se deixa morrer num acidente estúpido com um camião do pão (e há uma imagem especialmente dolorosa que o mostra são e salvo; mas, nestes “o-que-poderia-ter-sido”, Bechdel coloca e bem a possibilidade de que se o pai não tivesse morrido naquela altura pudesse ter vindo a ser mais uma vítima da SIDA). Mas o que é verdadeiramente espantoso é que Bechdel acaba por expor tanto de si (a um nível quase doentio) quanto do seu pai, o que se percebe já que formou a personalidade por oposição à dele (a masculinidade como resposta à feminidade), e quando conta a história dele, não podia deixar de contar a sua.
Apesar de tudo, algo os une: a homossexualidade. Alison chega a desejar que a revelação de que era lésbica tenha levado o pai ao suicídio (ela não acredita na hipótese do acidente), pois é a única ligação que resta, mesmo que póstuma. “Creio que te vais sair melhor do que eu”, escreveu-lhe o pai numa carta (sempre a palavra escrita). Se assim foi, tal deveu-se à necessidade dela de evitar os erros dele. Fun Home funciona também como exorcismo. Que ainda não terá acabado. No livro, a mãe, uma actriz meio frustrada, fria e distante, também não fica bem nos quadradinhos. Num género de sequela (em mais do que um sentido), Alison Bechdel dedica-lhe o recente Are You My Mother?, ainda não editado em Portugal.»
João Lameira, Ípsilon, Público




7 comentários:

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