segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Imprensa:

«Vida em minúsculas


Durante o conflito nos balcãs o escritor espanhol Francesc Miralles, autor de Amor em Minúsculas, passou o Inverno num campo de refugiados na Eslovénia. Ver pessoas privadas de quase tudo, mas sem perder a capacidade de sorrir, foi a sua experiência vital.

Texto Teresa Violante


Basta olharmos uma vez para Francesc Miralles para termos a certeza de que fardas e ordens militares não combinam com ele. Alto e tímido, ele exala tranquilidade. Por isso, e para fugir ao serviço militar obrigatório em Espanha, optou pela prestação social de substituição. Aos 27 anos, Francesc viu-se num campo de refugiados bósnios e conheceu Boris, o homem que mudou a sua vida.

É num simpático café na zona histórica de Lisboa, no Chiado, que nos conta esse momento vital. "Como eu sabia pouco de servo-croata, pois já tinha viajado muito pelos Balcãs, mandaram-me para um campo de refugiados bósnios para trabalhar numa escola", recorda. Aí conheceu Boris, outrora baixista de sucesso numa banda de rock no Canadá. De ascendência eslovena, vivia o imaginário das estrelas de música: mulheres, concertos e dinheiro a rodos. Até que um dia observou uma fotografia sua e viu-se num bar repleto de copos vazios, após um concerto. Apercebeu-se então da superficialidade que o rodeava. Sem olhar para trás fez as malas e regressou à Eslovénia. "Conhecer esta pessoa e as coisas que me ensinou...", suspira Francesc Miralles. "Ele ensinou-me que todas as experiências são um privilégio. Se te aborreces, se estás irritado ou descontente, é porque não estás a olhar para o lugar certo. Ensinou-me a desfrutar das pequenas coisas, daquilo que seria o Amor em Minúsculas da vida", explica, parafraseando o título do seu livro. Para Francesc, a experiência não podia ter sido mais reveladora. "Foi muito importante conhecer de perto pessoas privadas de tudo mas que têm momentos de alegria e acabam por ter uma vida quase normal. Aprendi que a capacidade de adaptação do ser humano é quase infinita".

Atento aos pormenores, o autor de Amor em Minúsculas valoriza coisas simples e simultaneamente grandiosas como a magia das ruas estreitas de Lisboa, ou a marca do passar do tempo revelada em casa pedra ou edifício. E felicita-se com as reacções positivas ao seu recente romance, já traduzido em nove idiomas, escrito em resposta ao desafio da sua editora: "um livro que tenha um gato e que seja sobre solidão". Apaixonado por felinos, Francesc imaginou o que poderia ter sido a sua vida se, como tudo levava a crer, se tivesse tornado professor universitário após concluir a licenciatura em Filosofia Alemã. "Mas tinha muito medo dos alunos", confessa. "Amor em Minúsculas é uma história muito intimista de amor e amizade". Afinal, são estas as minúsculas da vida que a tornam, para cada um de nós, maiúscula e cheia de significado.»


Gingko, Novembro de 2009

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Imprensa:

A Mecânica do Coração
Mathias Malzieu


«A história do pobre Jack começa na noite mais fria do mundo, em Edimburgo, no ano de 1874, quando nasce com um defeito congénito. Por sorte, a parteira, uma mulher de engenho, instala no peito do nascituro um mecanismo de relógio de cuco. O tom está dado para esta narrativa cheia de peripécias e aventuras, amores empolgados, conquistados e perdidos, em viagens por Paris e Andaluzia, em regressos mais ou menos tristonhos ao lugar de partida. Mathias Malzieu (n. 1974), escritor e vocalista da banda de rock francesa Dionysos, manuseia bem os diversos movimentos e andamentos de um conto do maravilhoso, a que também costumam chamar «contos de fadas». De facto, Madeleine é uma fada à sua maneira, mas também lhe chamam bruxa, enfim, o vocabulário dos néscios é sempre curto. Mas ela tinha um receio, a de que o seu pequeno sucumbisse, deixando-a: «O amor é perigoso para o teu coraçãozinho», garantia, o que era uma rematada mentira. O facto é que o pequeno Jack conhece o Sr. George Méliès, esse mesmo, um dos pioneiros do cinematógrafo, que o acompanha na demanda de Miss Acácia, a pequena cantora andaluza. Bom, aqueles amores parece que estavam destinados a um grande equívoco, o que é pena. Mas tudo visto, este livro é uma pequena maravilha, acreditem. Só quem não sentiu o coração a funcionar como um relógio descompassado não sabe. Paciência.»

Revista LER, Dezembro 2009