segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Imprensa: «O Longo Inverno»

«Ruta Sepetys é uma americana de origem lituana que se estreou este ano com um romance pungente acerca da violência exercida, durante a ocupação soviética, sobre centenas de milhares de lituanos. Inspirado na experiência de contemporâneos dos seus avós, O longo inverno mostra quão devastadoras foram as purgas estalinistas. No que à Lituânia diz respeito, entre 1940 e 1953 foram presos e deportados mais de trezentos mil nacionais.

A história do país é uma sucessão de rupturas: Estado independente até 1385, unido à Polónia de 1385 a 1918, de novo independente, ocupado pela Alemanha em 1939, anexado pela União Soviética em 1940 (ocupação que durou mais de 50 anos), independente mais uma vez a partir de 1991, embora o exército soviético ali permanecesse até Agosto de 1993.
Contudo, antes de ser outra coisa, O longo inverno é sobre o direito que temos à nossa própria identidade.
Lina Vilkas tinha 15 anos no dia em que foi deportada para a Sibéria: «Levaram-me em camisa de noite.» A ela, à mãe e ao irmão mais novo. Lina desconhece o paradeiro do pai, Kostas Vilkas, professor da universidade de Kaunas. Estamos em Junho de 1941. Quando recorda o que aconteceu nessa noite, tem presente o som dos punhos golpeando a porta. Os oficiais do NKVD (a polícia secreta de Estaline) deram vinte minutos para abandonarem a casa. Um desses oficiais apagou a beata acesa no chão imaculado da sala. Lina percebeu: «Estávamos prestes a transformar-nos em cigarros.» Antes de irem para o camião, a mãe esconde no casaco um maço de rublos e parte todos os cristais que tem em casa. «Destruíste propriedade soviética», grita um dos russos. Lina vê a mãe levar uma coronhada.
A sequência cronológica é entrecortada por pequenos trechos em itálico que fazem o flashback dos dias “antes dos russos”. Ruta Sepetys tem uma escrita que nunca se distrai do essencial. As seis semanas de viagem entre Kaunas e o campo de trabalho de Altai (na Sibéria) são descritos sem complacência pela voz de Lina. O comboio onde segue é um «caixão rolante». O buraco da latrina colectiva tem usos inesperados: serve para passar um naco de presunto ou fazer desaparecer o cadáver putrefacto de um bebé. Quando os cigarros acabam, Jonas (o irmão de Lina) e um amigo arrancam folhas dos Cadernos de Pickwick para enrolar tabaco. Lina fica irritada: ela gosta muito de Dickens e o livro tinha sido um presente da avó.
A meio do trajecto, numa paragem de rotina, Lina e o irmão encontram o pai. Kostas Vilkas está num dos vagões do “comboio dos homens”. O comboio de Lina só tem mulheres, velhos e crianças. Jonas e o rapaz de 17 anos que se tornou seu amigo escaparam do comboio dos homens porque as mães respectivas subornaram oficiais do NKVD, fazendo passar os filhos, à custa de rublos e jóias, por “atrasados”.
Quando chegaram a Altai foi como se tivessem saído de um "armário escuro". Iam ser vendidos como escravos. Se não tivessem sido deportados, Lina teria ido para uma escola de Arte. Mais de uma vez os seus desenhos (simbólicos ou literais) foram fonte de preocupação do pai e dos professores, sobretudo um, figurando Estaline num corpo de palhaço. Agora não. Os desenhos vão ser a sua arma: pode, com eles, enviar ao pai mensagens codificadas.
O tom narrativo isenta-se de harmónicas, a prosa martelada como numa peça dodecafónica. Lina não descreve uma viagem de recreio entre o Báltico e os Urais. Fala dos pais, do irmão, do amigo do irmão (e seu futuro marido), do velho delator, das mulheres com quem sobreviveu 42 dias no vagão de gado. Pessoas desapossadas das suas vidas, no limiar da indignidade.
O intervalo da unidade colectiva de produção de Altai dura 10 meses. A seguir é pior: em Trofimovsk, no Círculo Polar Ártico, a noite tem 180 dias. No horizonte, o mar de Laptev. Andrius, o amigo do irmão, ficou em Altai. Lina e Andrius estão apaixonados. Antes da morte da mãe tem notícia de que o pai morreu em Krasnoyarsk. Jonas sobrevive por milagre. O horror (violência, fome, frio, miasmas, doença) devém lugar-comum. A liberdade chega em 1953.
A edição portuguesa é a única que não respeita o título original da obra (algo como A vida em tons de cinza), traduzida em vários países, Brasil incluído.»
Ípsilon, Público

1 comentário:

Anónimo disse...

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