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O Beco dos Milagres
«Primeiro vemos de cima o Egipto só por um momento. Interessa-nos a geografia, pouco mais.
Aproximamos a imagem, rápido e paramos com facilidade sobre o enorme Cairo. Depois, bastaria escrever a morada exacta no motor de busca para encontrarmos qualquer rua em segundos. Mesmo um pequeno beco, antigo e humilde. Mas a viagem no Google Maps acabaria aí.
Felizmente, temos Naguib Mahfouz. O Nobel da Literatura mais celebrado do mundo árabe dez ainda um pouco mais de zoom. Subiu o beco e contou-nos das pedras do chão e da pobreza em redor. Abriu as portas das casas, dos estabelecimentos comerciais, e apresentou-nos pessoas diversas. Aos poucos, aproximou mais e mais a lupa e as pessoas foram ficando mais bonitas, mais feias, mais ou menos pessoas.
Um beco que é um microcosmos, com vista sobre Hamida, a jovem que tem tanto de bela como de estragada, ou sobre Kirsha, o dono do café, casado e ao mesmo tempo apaixonadoo por jovens rapazes. Eles ou todos os outros habitantes do pequeno gueto. E por baixo destas vidas, uma culturua que se oferece em estado puro.
Diz-se de Mahfouz que está para o Cairo como Dickens para Londres, ou Balzac para Paris. O Beco dos Milagres não é o seu romance mais célebre, mas é um dos iniciais, e é talvez por isso um dos retratos mais naturalistas que o autor fez da sua gente. Simples, sem julgamentos morais, sem enfeites ou condenações. Apenas um beco e toda a vida que por lá desfila.»
Mafalda Castro, Time Out Lisboa, Junho 2009
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