«Estranho em Terra Estranha
É o ilustrador do momento: recebeu o Óscar para Melhor Curta-metragem de Animação e foi reconhecido com o prestigiado Prémio Astrid Lindgren.
Com a mesma imprevisibilidade com que certos personagens irrompem nas histórias de Shaun Tan, chegam às livrarias, quase em simultâneo, dois títulos de um ilustrador multipremiado que também escreve – e bem. A culpa não pode ser do Óscar para melhor Curta-metragem de Animação atribuído a The Lost Thing, muito menos do Prémio Astrid Lindgren Memorial Award 2011, uma vez que estes só foram revelados em Fevereiro e Março. Coincidência ou não, a edição recente de Contos dos Subúrbios (Contraponto), logo seguida de A Árvore Vermelha (Kalandraka), não poderia usufruir de melhores circunstâncias. Agora, quando o leitor perguntar por Shaun Tan em português, vai ser confrontado com inevitáveis problemas de arrumação: será mais lógico procurá-lo na secção de livros para crianças ou na de banda-desenhada e novelas gráficas? Na ficção de autores estrangeiros ou de arte e design? Ou ainda, se tal existisse, na secção de “livros ilustrados para adultos”?
Todas as respostas estão certas, quando falamos de um autor que se aplicou com método na construção de um universo singular, ao ponto de agora recusar encomendas e participar em projectos colectivos com outros escritores ou ilustradores. Nada de estranho, talvez, para quem diz que cresceu “ensanduichado entre o vasto deserto e o vasto oceano”, a ler as short stories de Ray Bradbury e a desenhar extraterrestres, monstros e robôs, como qualquer adolescente imaginativo. A descrição do lugar aplica-se a Fremantle, Perth, Austrália, onde Shaun Tan nasceu em 1974. Esta condição periférica, que começa nas origens familiares (é filho de pai chinês, arquitecto) e se prolonga na vivência de um território visto como o “fim do mundo”, reflectiu-se num tema recorrente, de que o livro e o filme oscarizado é um bom exemplo: o sentimento de desajuste, de não-pertença e de perplexidade face ao mundo exterior. Embora o estilo de ilustração (ou a multiplicidade de estilos, a mais das vezes num livro só) provenha de um manancial onírico, as questões sociais e políticas, como o colonialismo ou a emigração, definem o seu statement ideológico de autor.
O conjunto da obra de Shaun Tan, que lhe valeu o Prémio Astrid Lindgren, atribuído na última Feira do Livro Infantil de Bolonha, orienta-se tanto pelos códigos da banda-desenhada como do picture book, mas a ruptura da sequência narrativa é uma das suas marcas autorais. Esta opção suscita controvérsia entre os seleccionadores mais ortodoxos de livros para crianças. A Árvore Vermelha, de 2001, apesar da capa algo inocentem esconde uma parábola sobre a fragilidade e o desamparo do ser humano, tendo como protagonista uma menina que vagueia por cenários inóspitos, surreais na aparência, mas emocionalmente vívidos. Contos dos Subúrbios, de 2008, reúne um conjunto de histórias em que o insólito da ficção científica se cruza com a melancolia dos quadros de Edward Hopper. Estranham-se, depois entranham-se. De Shaun Tan diz-se que não é um autor fácil nem óbvio, mas o que realmente se pretende dizer é que não faz livros cor-de-rosa. Daí que lhe assente como uma luva a definição de Peter Hunt: “Um bom livro infantil é um livro que faz todos, adultos e crianças, pensarem.”»
Revista LER
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